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Cais do Porto de Porto Alegre – “Cais Mauá”

Atualizado: 5 de set. de 2023


A construção de um cais para a cidade era o desejo dos vereadores já em 1833 quando enviaram para a Câmara Municipal uma proposição de construção do cais e de rampas às expensas dos proprietários confinantes. Foi aprovada, mas nunca executada. Em 1912, iniciou-se a obra do Cais do Porto, a partir de um grande aterro.


O primeiro trecho do cais, junto ao portão geral, ficou pronto em 1913. Contudo, as obras só foram retomadas em 1919. Dois anos depois, em 1921, foram entregues mais 490 m de cais. Quase no final do governo do presidente Borges de Medeiros, estavam concluídos 1.652,88 m de cais acostável, dotado de 10 armazéns e 22 guindastes elétricos. Entre 1935 e 1936, foi construído o Frigorífico do porto, além de mais centenas de metros do cais fluvial.

O pórtico central e os dois armazéns que o ladeiam foram construídos entre novembro de 1919 e maio de 1922. Possuem estruturas metálicas classificadas à época de “ossatura de ferro”, encomendadas à Casa Daydée, de Paris, em 1919, com o gradil de fabricação nacional, de Emílio Hugo e Cia. Um engenheiro francês, Henry Hausser, veio a Porto Alegre para orientar o trabalho de construção, que foi finalizado sob responsabilidade dos engenheiros Trajano Ribeiro e João Fernandes Moreira.

Hoje, o Cais Mauá não tem mais a função portuária, conta com uma área de 181.292,21 m2 e ocupa linearmente uma faixa de aproximadamente 3,3 km ao longo do Rio Guaíba. Estão tombados pela União (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan]) o pórtico e os armazéns laterais (A e B), constando como patrimônio cultural nacional desde 1983. O município, por sua vez, tombou a série de Armazéns A1 a A6 e B1 a B3 em 1996. Integram os bens protegidos os edifícios sede do Departamento Estadual de Portos Rios e Canais (Deprec) e do antigo frigorífico, as gruas para movimentação de carga, que correm em trilhos metálicos na base da estrutura do telhado, os enormes guindastes ao longo do cais e o pavimento de granito.

Não se encontrou informações na bibliografia consultada sobre a presença do negro escravizado ou alforriado na construção do porto mas, através de pesquisas, sabe-se que o conjunto de trabalhadores responsáveis pela carga e descarga de mercadorias no porto era constituído, fundamentalmente, de homens pobres ditos livres e/ou recém-libertos. Muitos deles mantinham fortes vínculos com descendentes africanos escravizados ou já haviam sido escravizados, prestando serviços na orla portuária, mediante aluguel a um senhor, para os serviços de capatazia e estiva, conforme a movimentação portuária.

Na organização dos estivadores, como uma classe, a presença do negro foi muito importante. Em 1919, foi fundada a União dos Estivadores de Porto Alegre, na sede do Sindicato dos Foguistas, também em Porto Alegre, onde estavam presentes as principais lideranças dos estivadores, na sua maioria ligada ao segmento afrodescente da população.

Na frente do portão do Cais havia um largo que se constituía em espaço público de ingresso à Av. Sepúlveda, no qual se aglomeravam os estivadores, esperando a chamada para entrar no porto, conforme os navios iam aportando e precisando de trabalhadores para a descarga. Eles ficavam ali, chegando a reunir até cerca de 600 trabalhadores, ao relento, em época de muito movimento portuário. Diante disso, os portuários pediram aquela área ao presidente Getúlio Vargas, que a concedeu informalmente e não se tem certeza da existência de um documento de doação.

Os estivadores, com meios próprios originários de contribuição voluntária, foram construindo uma edificação para sua sede, chegando a abrigar uma cantina. Quando a construção do prédio estava no primeiro pavimento, a ditadura civil-militar tomou a construção e expulsou de lá os estivadores. Os funcionários do Deprec, consternados, permitiram que eles usassem um refeitório desativado para se abrigar (Ana Lúcia Goelzer Meira, informação verbal)*.

Hoje, no local onde antigamente existia o largo em homenagem a João Cândido, localiza-se a Delegacia Regional do Trabalho, edifício construído em 1978, com o intuito de apagar a memória do Almirante Negro. Consta que este imóvel não possui registro aprovado e/ou vistoriado na Administração Municipal, nunca teve alvará de funcionamento, tendo sido interditado, em 2015, pelas péssimas condições estruturais e de conservação, sendo pedida a sua demolição pela Polícia Militar de Porto Alegre (Ana Lúcia Goelzer Meira, informação verbal)*.

Em 2002, um dos armazéns do cais, possivelmente o A1, foi destinado ao Espaço Cultural João Cândido, que reuniria vários segmentos como dança, cinema, artesanato, entre outros. Para o lançamento do espaço, houve a inauguração de uma placa em homenagem ao Almirante Negro, destacando “sua luta contra a discriminação e a favor da igualdade brasileira”. Infelizmente, com a troca do Governo do Estado, o projeto não prosseguiu e a placa desapareceu (Antônio Matos, informação verbal)**.

*Entrevista com Ana Lucia Goelzer Meira, em agosto de 2022, sobre a possível existência o Largo Almirante Negro e documentação sobre tais prospecções que estavam sendo feitas conjuntamente com a arquiteta Briane Bicca, 2019.


**Entrevista com Antônio Matos, em agosto de 2022, sobre a identificação e designação de um dos armazéns do cais, em homenagem a João Cândido.




Referências

BRASIL. Processo n.º 1.047-T-81, Divisão de Registro e Documentação: pórtico central e armazéns do cais do porto. Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Porto Alegre, RS, 1981.

VIVIAN, Diego Luiz. Indústria portuária Sul-Rio-Grandense: portos, transgressões e a transformação da categoria dos vigias de embarcações em Porto Alegre e Rio Grande (1965 – 1964). 2008. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

MATTOS, Jane Rocha de. Foguistas e estivadores: organizações operárias negras no início do século XX no mundo do cais (Porto Alegre). Comunicação apresentada na VIII Jornada Estadual de Estudos Afro-Brasileiros: “O negro sul-rio-grandense nos diferentes contextos locais”. Porto Alegre, 2020.

Entrevista com Antônio Matos, em agosto de 2022, sobre a identificação e designação de um dos armazéns do cais, em homenagem a João Cândido.


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