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Campos da Redenção

Atualizado: 24 de jul. de 2023





Figura 1: Mapa das Territorialidades Negras em Porto Alegre/RS - Meados séc. XIX = Elaboração Daniele Machado Vieira.

Fonte: Cartografia Virtual Histórica Urbana de Porto Alegre

Figura 2: Campos da Redenção – década de 1900

Fonte: Iova (atribuído). Acervo Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo



Durante quase todo os 1800, os Campos da Redenção eram uma antiga e grande várzea, uma grande área descampada, baixa e alagadiça, potreiro e caminho de passagem para Viamão. Localizada fora da cidade, mas contígua a ela, foi local de batuques durante todo o século XIX.


Coruja, o primeiro cronista da cidade, relata a existência do Candombe da Mãe Rita na década de 1830. “O Candombe da Mãe Rita era na Várzea […] mais ou menos no terreno então baldio e depois ocupado pelas casas do Firmo e Olaria do Juca...” (CORUJA, 1983, p. 26-27). Tal localização refere-se a atual rua Avaí e adjacências, em frente ao prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com o autor, “aí se reuniam nos domingos à tarde pretos de diversas nações, que com seus tambores, canzás, urucungus e marimbas, cantavam e dançavam...” (CORUJA, 1983, p. 26-27). É possível que o local tenha durado como lugar de batuques por bastante tempo, pois Achylles Porto Alegre, outro importante cronista da cidade, ao referir-se ao logradouro, relata que “tais terrenos, antes do arruamento e quando de todo abertos, serviam para a realização de festejos negros africanos, que ali realizavam seus ruidosos candomblés” (1994, p. 16).

Na década de 1850, Maria José, mulher negra, liberta, apresentando-se como rainha ginga da Irmandade do Rosário, solicita às autoridades policiais licença para os negros realizarem seus festejos na área central (DIAS, 2008, p. 30). Após reiteradas solicitações, Maria José finalmente obtém autorização, a qual indica a Várzea como lugar para os batuques, “por ser fora do Centro da cidade” (DIAS, 2008, p. 33).

No final do século ainda vão existir batuques na área, como os realizados em frente à Capelinha do Bom Fim. Achylles refere-se a esse batuque “ao ar livre” como “um dos mais populares,” acrescentando que “muita gente se abalava da cidade [o Centro] para ir ver a dança dos negros” (1994, p. 101). Note-se que esse batuque localizava-se ao lado da atual av. Osvaldo Aranha, na face oposta ao Candombe da Mãe Rita (localizado para nas imediações da atual av. João Pessoa), evidenciando a existência de festejos negros em diferentes pontos da antiga Várzea, assim como sua continuidade ao longo de todo o século dezoito.


Em 1884, a Várzea ganha o nome oficial de Campos da Redenção, como forma de comemorar a libertação dos escravizados da cidade. Realizada em “Sessão Extraordinária comemorativa da redempção dos escravos do município de Porto Alegre,” ocorrida em 7 de setembro de 1884, na Câmara Municipal, a alteração teve o seguinte texto:


O sr presidente declarando que convocara a Câmara para comemorar a libertação dos escravos na cidade de Porto Alegre e seu município, propõe, para solenizar de uma maneira perdurável o fato grandioso e patriótico, que o Campo do Bom Fim passe a denominar-se “Campo da Redempção”. É unanimemente aprovada esta proposta (CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 1884, p. 2).

Embora tenha sua contribuição para a libertação, essa não foi uma grande abolição, visto que já havia um significativo contingente de libertos e que ainda restaram escravizados após 1884, conforme evidenciam, por exemplo, as pesquisas de Paulo Moreira (2003, p. 173, 180). É importante considerar que os negros: a) pagaram por cerca de 40% das suas cartas de alforrias (MOREIRA, 2003, p. 258), libertando a si e sua família; e b) que a área da Várzea já era um local de batuques, de congregação religiosa e social do grupo negro ao longo de décadas, sendo justo que fosse marcada por essa presença com sua nova denominação de Campos da Redenção, a qual permanece até hoje, quase um século e meio após.


Referências


CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Ata da Sessão Extraordinária

comemorativa da redempção dos escravos do município de Porto Alegre,

realizada no dia 07/09/1884. Livro de Ouro, Porto Alegre, p. 2-3, 1884.


CORUJA, Antônio Alvares Pereira. Antigualhas: reminiscências de Porto Alegre.

Porto Alegre: Cia União de Seguros Gerais, 1983 [1881].

DIAS, Glauco Marcelo Aguilar. Batuques de negros forros em Porto Alegre:

um estudo sobre as práticas religiosas de origem africana na década de 1850. 2008.

69 f. Trabalho de Conclusão (Graduação em História) – Departamento de

História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do

Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Os cativos e os homens de bem: experiências negras no espaço urbano, Porto Alegre 1858-1888. Porto Alegre: EST Edições, 2003.


PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Porto Alegre:

PMPA: Unidade Editorial, 1994.


VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre: toponímia da emancipação negra no Mapa de 1888. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S. l.], v. 12, n. 34, p. 182-208, nov. 2020. ISSN 2177-2770. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1136. Acesso em: 14 dez. 2022.


VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 14 dez. 2022.


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