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55 itens encontrados para ""

  • Associação Satélite Porto-Alegrense

    Em 05 de fevereiro de 1914, foi realizada na cidade a mudança de nomenclatura de um dos principais logradouros da então região da Cidade Baixa. Denominada de Concórdia recebeu a nominação do abolicionista brasileiro José do Patrocínio. Este ato reuniu inúmeras associações bailantes, recreativas e operárias, fundadas e mantidas pela comunidade negra local. Oficializada pelo poder público com a presença do intendente José Montaury (Partido Republicano Riograndense) a cerimônia teve continuidade nos salões da Sociedade Satélite Porto Alegrense. Fundada por famílias negras, 14 anos após a abolição oficial da escravidão em 20 de abril de 1902, a Sociedade Satélite recebeu nominações diferentes ao longo de sua trajetória, caracterizada pelas alterações em seus estatutos. Recreativa ou Bailante ou somente Satélite Porto Alegrense foi uma associação longeva agregando membros de diversas profissões (Comerciantes, advogados, funcionários públicos) que possibilitaram no decorrer de suas gestões a compra de um terreno para a construção de uma sede própria. Em um dos seus estatutos, do ano de 1921, a agência política de seus fundadores estava descrita ao longo de suas páginas descrevendo um dos principais objetivos – a educação ofertada a seus membros na manutenção de uma biblioteca para a leitura de obras cientificas, artes e ofícios, bem como a promoção de um caixa beneficente para auxílio nas enfermidades e falecimentos, e a edificação de uma sede própria. Neste sentido, nas primeiras três décadas a Sociedade esteve localizada em quatro endereços distintos: Rua Riachuelo n. 187 (área central da cidade), rua General Lima e Silva n. 56, Travessa Batista n. 12 (Ilhota) e Venezianos n. 368 – centrados, na sua maioria, nos territórios negros da cidade. A Sociedade promovia bailes, inclusive nas dependências do icônico Teatro São Pedro, participando de desfiles carnavalescos e festas organizadas por entidades negras da cidade e de fora desta. Na década de 1950, as atividades foram diminuindo até quase a sua paralisação. No ano 1956, em 30 de setembro, a Sociedade Satélite Porto Alegrenseoriginou, juntamente com a Sociedade Prontidão, uma outra organização – a Associação Satélite Prontidão. Referências: Jornal A Federação 08/02/1914. Jornal O Exemplo 07/05/1916. Jornal O Exemplo 17/03/1918. Jornal A Federação 08/01/1921. Jornal O Exemplo 25/02/1929. ZUBARAN, Maria Angélica. O Acervo do Jornal O Exemplo (1892-1930): patrimônio cultural afro-brasileiro. Revista Memória em Rede, Pelotas, v. 7, n. 12, 2015.

  • Associação Prontidão

    Cordão Carnavalesco, Sociedade Carnavalesca, Recreativa ou Beneficente foram as nomenclaturas agregadas e alteradas ao longo três décadas de existência do Prontidão. Foi fundado em 1º de março de 1925 por um grupo jovens que buscava uma forma de acessar um salão onde ocorria um baile de carnaval, no qual eles não tinham recursos suficientes para a compra dos convites. Segundo relatos dos antigos vivenciadores, os jovens articularam uma estratégia e conseguiram ingressar no salão cantando um refrão que fazia alusão à condição financeira de cada um “Pron, prontidão, pron, prontidão”. Nesta mesma noite ocorreu o ato de fundação do então Cordão Carnavalesco na moradia de Cecilia Pedroso, também fundadora das Vanguardeiras Prontistas. Entre os jovens fundadores estavam: José de Oliveira Lomando, Oscar Martins, Antônio Hermínio de Oliveira e Aderbal Braz. O Prontidão promoveu em suas sedes inúmeros bailes, cursos de alfabetização e assistência médica para os seus sócios. A sociedade esteve localizada em alguns espaços locados na da cidade de Porto Alegre. No ano de 1932, ocupava uma casa na rua General Lima e Silva n. 377 e, posteriormente, ocupou um prédio com dois pavimentos na rua Barão de Gravataí n. 645, onde permaneceu até a década 1960, neste momento, já como Sociedade Satélite Prontidão. Referências: Jornal A Federação, 23/07/1931. Jornal A Federação, 03/09/1931. Jornal A Federação,17/02/1933. Um Histórico resumido da Associação Satélite Prontidão – Nilo Feijó. Acervo Memorial Associação Satélite Prontidão.

  • Príncipe Custódio

    O sujeito histórico Custódio Joaquim de Almeida (?-1935), o Príncipe Custódio, carrega em sua biografia uma série de lacunas fruto de uma gama de questões ainda não respondidas. Confirmações? Apenas o consenso de ter falecido em Porto Alegre em 1935 e de ter nascido no Continente Africano no século XIX. No entanto, as versões que procuram jogar luz a lugares de sombra da vida deste personagem complexo, coincidem sobre a importância do lugar assegurado a Custódio no imaginário da comunidade negra de Porto Alegre de mito político e afro-religioso. A narrativa até há bem pouco tempo dominante, da antropóloga Maria Helena Nunes da Silva, diz ser Custódio nominado em sua terra natal Osuanlele Okizi Erupê, nascido em 1831, filho primogênito do Obá (rei) Ovonramwen, do Benin, país que o príncipe deixou na segunda metade do século XIX, por questões políticas relacionadas à invasão dos ingleses em seus domínios. Os supostos laços de sangue de Custódio com a família real do Benin conferem uma aura de nobreza às práticas religiosas afro-brasileiras na capital, em especial o batuque, e demarca a importância simbólica do assentamento ao Bará do Mercado, atribuído ao príncipe por parte do grupo social de babalorixás e yalorixás. Em entrevistas (VARGAS, 2017, p. 154-155) relacionadas às origens do assentamento dedicado ao Bará no Mercado Central, sacerdotes associam o papel político do Príncipe à sua influência religiosa. O descrevem como um negro africano politicamente bem articulado, com contatos na elite local, aliado a seu papel como um grande líder dos cultos africanos. Ao relatar que o assentamento no Mercado não é o único na cidade, mas sim o mais importante, discorrem sobre o papel de liderança de Custódio junto com outros pais e mães de santo das primeiras décadas do século XX no assentamento de outros axés do Bará na Colônia Africana, Cidade Baixa e Bacia do Montserrat. Ou seja, por meio da atuação de Custódio, é possível mapear os territórios e a sociabilidade negra na primeira metade do século passado. Por outro lado, a pesquisa documental empreendida por Jovani Scherer e Rodrigo Weimer afasta a origem de Custódio de uma família reinante da África. Os autores de forma inédita veem Custódio, por esta versão, nascido em 1852/1853, como um dos filhos mais jovens de Manoel Custódio de Almeida, um retornado (ex-escravizado que volta ao continente africano) que vai se destacar como importante comerciante de escravos em sua terra natal. Sem se saber exatamente como nosso personagem chega a Porto Alegre, sua saída da África é atribuída à morte por envenenamento de seu pai e às brigas que se sucederam por seu espólio. A primeira vez que os pesquisadores localizam o nome de Custódio Joaquim de Almeida portador da alcunha de “Príncipe” é em um processo crime de 1885, em que está envolvido em uma briga de bar, onde declara ser africano e ter 32 anos. A partir deste ponto os historiadores vão traçar uma rota procurando estabelecer um mapa da vida do Príncipe. Por meio de reclames e postagens em jornais percebem que Custódio, a princípio um "turfman” que mantinha uma coudelaria de cavalos em sua casa, vai ganhando notoriedade na sociedade porto-alegrense, a partir do início do século XX, não apenas pelas corridas de cavalo, que com certeza o ajudaram a enlaçar vínculos com a elite da capital, mas principalmente por sua atuação no campo religioso, lugar de onde lhe era atribuído poder de cura. Nesse ponto pode-se pensar em um breve encontro entre os trabalhos de Maria Helena N. da Silva (1999) e o de Scherer e Weimer (2021). Os últimos, ao revisarem a produção de vários estudiosos, citam a influência do Príncipe nas casas de linha Jêje e o possível conhecimento de Custódio sobre o culto Sapatá ou Xapanã (para Maria Helena), orixá dono da saúde e da doença, o que mostraria seu o vínculo com Daomé, região onde situava-se Ajudá. O que os historiadores Jovani Scherer e Rodrigo Weimer apontam sobre o Príncipe, é que sua nobreza dizia respeito aos pobres da cidade e levou anos para ser construída. Custódio era um Príncipe do povo, onde exercia seu poderio, com base na autoridade religiosa, no domínio sobre a linguagem mágica, na generosidade do acolhimento de pessoas necessitadas, na cura e na mediação com a elite política. Embora envolto em algumas brumas, o interesse cada vez mais vivo pela sua biografia, com certeza, irá dissipar. Contudo, o espaço ocupado pelo Príncipe Custódio como referência para o empoderamento negro no RS, como atesta o vigoroso movimento das instituições do povo negro, vai continuar pautando discussões no campo político e religioso. Referências: VARGAS, Pedro Rubens. A Relação Patrimonial na Restauração de Bens Culturais: o mercado de Porto Alegre e os caminhos invisíveis do negro. Curitiba: Editora Appris, 2017. SILVA, Maria Helena Nunes. O Príncipe Custódio e a Religião Afro-Gaúcha. 1999. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999. WEIMER, Rodrigo de A.; SCHERER, Jovani. No Refluxo dos Retornados: Custódio Joaquim de Almeida, o príncipe africano de Porto Alegre. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul – APERS, 2021.

  • Dr. Veridiano Farias

    Veridiano Farias foi um músico e médico bastante atuante e conhecido no carnaval de Porto Alegre, nos anos 1930/1940. Ensaiador do bloco “Os Prediletos” (SANTOS, 2005, p. 78-79), tinha a música e o carnaval como sua paixão, além da medicina. Crê-se que Farias fora o segundo médico negro formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Filho do casal Maria Farias e Franklin Fortunato Farias, Veridiano nasceu em 1906 na cidade de Rio Grande, migrando aos 13 anos com a família para Porto Alegre, local onde nasceram seus outros seis irmãos (GOMES, 2016, p. 163-164). Na vida adulta, casou-se com Isabel e teve três filhos: Judith, William e Jurandir (SANTOS, 2005). Figura 1: Formatura do Dr. Veridiano Farias, UFRGS, Porto Alegre/RS – 1951. Fonte: Negro em Preto e Branco (SANTOS, 2005, p. 78). Figura 2: Músico Veridiano Farias, Porto Alegre/RS – anos 1930 Fonte: Negro em Preto e Branco (SANTOS, 2005, p. 79). Considerado “um músico completo”, Veridiano era multi-instrumentista, tocando diversos tipos de instrumentos – saxofone, violino, piano, bateria – do sopro à percussão (SANTOS, 2005). Como músico profissional, trabalhou em orquestras, como a da Rádio Farroupilha e Difusora, além de conjuntos musicais que tocavam na noite porto-alegrense, como o Jazz Paris, tornando-se amigo de nomes como Lupicínio Rodrigues e Jamelão, em sua passagem por terras cariocas. Dolzira Padilha, uma antiga foliã, ao relembrar os carnavais dos anos 1920/1930, tem Veridiano em sua memória como um carnavalesco apaixonado, ensaiador de bloco: “Então esse ‘Prediletos’ tirava campeão. [...] tinha um moço que era de cor também e ele formou-se médico [...] o Veridiano... E então ele é desses Prediletos, ele era fanático. Todo mundo conhecia o Veridiano.” (PADILHA, 1991, p. 2 apud VIEIRA, 2021, p. 171). É provável que, nessa época, Veridiano ainda trabalhasse como motorneiro, conduzindo bondes, tornando-se posteriormente chofer no Departamento Estadual de Saúde. Somente aos 36 anos concluiu o 2º grau no Colégio Estadual Júlio de Castilhos (GOMES, 2016). Mas isso não impediu o filho da dona de casa e do estivador do porto de aspirar a continuidade nos estudos, cuja persistência lhe renderia o apelido de o “teimoso”. No mesmo ano, em 1942, presta vestibular para Faculdade de Medicina de Porto Alegre (UFRGS), reprovando. Persiste e em 1943 é aprovado, mas não obtém classificação. Com a nota alcançada, ingressa na Faculdade de Ciência Médica do Rio de Janeiro (GOMES, 2016). Em 1947, após intervenção de seu pai junto ao governo federal, consegue transferência para a Faculdade de Medicina da UFRGS, onde forma-se em 1951. Colega, o Dr. Isaac Kelbert descreve a noite da formatura, conforme levantado pelo historiador Arilson Gomes (2016), no periódico A Hora, em 10 de setembro de 1954: [...] no dia 15 de dezembro de 1951, vestindo o seu impecável smoking teve o nosso herói a maior noite de sua vida [...], a maior salva de palmas da noite foi reservada para ele [...] pelo esforço, pela perda de horas de dormir, pelo sacrifício pessoal (apud GOMES, 2016, p. 167). No ano seguinte, o promissor médico falece precocemente, poucos dias antes de assumir como Diretor do Hospital Colônia Itapuã, na época ainda chamado de Leprosário. Em pouco tempo, torna-se nome de rua no bairro Petrópolis, a qual permanece até os dias atuais. Figura 1: Formatura do Dr. Veridiano Farias, UFRGS, Porto Alegre/RS – 1951. Fonte: Negro em Preto e Branco (SANTOS, 2005, p. 78). Figura 2: Músico Veridiano Farias, Porto Alegre/RS – anos 1930 Fonte: Negro em Preto e Branco (SANTOS, 2005, p. 79). Considerado “um músico completo”, Veridiano era multi-instrumentista, tocando diversos tipos de instrumentos – saxofone, violino, piano, bateria – do sopro à percussão (SANTOS, 2005). Como músico profissional, trabalhou em orquestras, como a da Rádio Farroupilha e Difusora, além de conjuntos musicais que tocavam na noite porto-alegrense, como o Jazz Paris, tornando-se amigo de nomes como Lupicínio Rodrigues e Jamelão, em sua passagem por terras cariocas. Dolzira Padilha, uma antiga foliã, ao relembrar os carnavais dos anos 1920/1930, tem Veridiano em sua memória como um carnavalesco apaixonado, ensaiador de bloco: “Então esse ‘Prediletos’ tirava campeão. [...] tinha um moço que era de cor também e ele formou-se médico [...] o Veridiano... E então ele é desses Prediletos, ele era fanático. Todo mundo conhecia o Veridiano.” (PADILHA, 1991, p. 2 apud VIEIRA, 2021, p. 171). É provável que, nessa época, Veridiano ainda trabalhasse como motorneiro, conduzindo bondes, tornando-se posteriormente chofer no Departamento Estadual de Saúde. Somente aos 36 anos concluiu o 2º grau no Colégio Estadual Júlio de Castilhos (GOMES, 2016). Mas isso não impediu o filho da dona de casa e do estivador do porto de aspirar a continuidade nos estudos, cuja persistência lhe renderia o apelido de o “teimoso”. No mesmo ano, em 1942, presta vestibular para Faculdade de Medicina de Porto Alegre (UFRGS), reprovando. Persiste e em 1943 é aprovado, mas não obtém classificação. Com a nota alcançada ingressa na Faculdade de Ciência Médica do Rio de Janeiro (GOMES, 2016). Em 1947, após intervenção de seu pai junto ao governo federal, consegue transferência para a Faculdade de Medicina da UFRGS, onde forma-se em 1951. Colega, o Dr. Isaac Kelbert descreve a noite da formatura, conforme levantado pelo historiador Arilson Gomes (2016), no periódico A Hora, em 10 de setembro de 1954: [...] no dia 15 de dezembro de 1951, vestindo o seu impecável smoking teve o nosso herói a maior noite de sua vida [...], a maior salva de palmas da noite foi reservada para ele [...] pelo esforço, pela perda de horas de dormir, pelo sacrifício pessoal (apud GOMES, 2016, p. 167). No ano seguinte, o promissor médico falece precocemente, poucos dias antes de assumir como Diretor do Hospital Colônia Itapuã, na época ainda chamado de Leprosário. Em pouco tempo, torna-se nome de rua no bairro Petrópolis, a qual permanece até os dias atuais. Referências HERÓIS de Todo Mundo - VERIDIANO FARIAS, por Éder Farias. [S. l.]: Fundação Cultural Palmares, 15 mar. 2011. 1 vídeo (2 min 26 s). Publicado pelo canal Lapilar Produções Artísticas. Projeto: A cor da cultura. Série: Heróis de todo mundo. Episódio: Veridiano Farias, por Éder Farias. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qxJkB6g_tLg. Acesso em: 22 fev. 2023. BRASIL. Fundação Cultural Palmares. Personalidades negras - Veridiano Farias. Disponível em: https://www.palmares.gov.br/?p=30534. Acesso em: 22 fev. 2023. GOMES, Arilson dos Santos. Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias: a trajetória de dois médicos negros sul-rio-grandenses. In: QUEVEDO, Éverton Reis; POMATTI, Angela Beatriz (org.). Museu de História da Medicina – MUHM: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje. Porto Alegre: Evangraf, 2016. p. 156-171. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/56577330/muhm-museu-de-historia-da-medicina. Acesso em: 22 fev. 2023. SANTOS, Irene (org.). Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: [s. n.], 2005. VIEIRA, Daniele Machado. Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Belo Horizonte: ANPUR, 2021. Disponível em: https://anpur.org.br/territorios-negros-em-porto-alegre-rs-1800-1970. Acesso em: 25 jan. 2023.

  • Wilson Tibério

    Wilson Tibério (1916-2005), ou Tibério, como preferiu ser nominado, foi um artista afro-brasileiro engajado no debate antirracista e colonialista do século XX. Pintor e escultor, nasceu em Porto Alegre e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde residiu até deixar o Brasil em 1947 quando, com uma bolsa de estudos, emigrou para a França. A partir da Europa, viajou para diversos países como artista convidado, como a China e a União Soviética, e viveu longas temporadas na Costa do Marfim, no Senegal e na Itália. Viajou pelo Sudão, Senegal, Daomé (Benin) e Alto Volta (Burkina Faso). Em Paris, se relacionou com importantes personagens da diáspora africana e do movimento Négritude. O artista nasceu e cresceu na região da Usina do Gasômetro e foi introduzido pelas mulheres de sua família, mãe, avó e tias no culto aos orixás. Construiu parte de sua expertise que o levou ao universo das artes atuando, na juventude, como coreógrafo no carnaval de Porto Alegre. Na então capital da República, o Rio de Janeiro, se formou na Escola Nacional de Belas Artes, onde recebeu menções honrosas e premiações em salões de arte. O interesse temático de Tibério era a vivência cotidiana da população negra e seus espaços de sociabilidade, como os morros cariocas, o Pelourinho de Salvador, ofícios tradicionais como quitandeiras e outros. Sua arte era o espelho da realidade social de negros e negras do país. Sua familiaridade em cenas religiosas de batuque o aproximou de Mãe Menininha, conheceu ainda Luiz Carlos Prestes, que o influenciou em sua decisão de filiação ao Partido Comunista Brasileiro e, junto com Abdias do Nascimento (1914-2011), foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro (TEM), onde teve atuação como coreógrafo. Na França, onde viveu de 1947 a 2005, quando faleceu aos 89 anos, Tibério dedicou sua arte ao interesse por temas africanos e a sua diáspora. Seu trabalho, visibilizado até em documentário para o cinema, se pautou de forma intensa pela denúncia ao colonialismo europeu em África, e a valorização, em oposição ao preconceito inerente à palavra negro. Duas de suas obras podem ser encontradas em museus públicos de Porto Alegre, uma na Pinacoteca Ruben Berta no Paço dos Açorianos, conhecido como Prefeitura Velha, e outra na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mais seis de duas produções pertencem ao acervo do Museu Afro Brasil, em São Paulo, estas doadas pelo artista negro Emanoel Araújo (1940-2022). As informações sobre sua biografia foram colhidas na entrevista dada pela companheira do artista, à pesquisadora Francielly Dossin, baseada em um texto não publicado traduzido do francês por Oliveira Silveira (1941-2009), documento (sem a entrevista) que se encontra na Pinacoteca Ruben Berta. Assim como pensa Dossin, a vida e a obra de Tibério podem ser definidas pela condição de ser negro. Referências: DOSSIN, Francielly. R. Entre evidências visuais e novas histórias: sobre a descolonização estética na arte contemporânea. UFSC. Tese de Doutorado, Florianópolis, 2016. SILVEIRA, Oliveira. Dossiê, tradução livre do francês. Documentação da pintura a óleo Bahia (1946) de Wilson Tibério. Acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre https://wilsontiberio.free.fr - site organizado por Giséle Tibério, filha do artista.

  • Painel afro-brasileiro

    Inaugurado em 20 de novembro de 2014, o Painel Afro-brasileiro é a quarta obra registrada no circuito do Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre. Esta obra é, sem dúvidas, um instrumento poderoso de evocação de memórias. O painel cerâmico multicolorido foi montado como se fosse uma moldura no muro do Chalé da Praça XV de Novembro, quase em frente ao Mercado Público, e chama atenção pela sua força imagética e pela presença negra perene no território originário da formação da capital gaúcha. O local onde está instalado, uma releitura de uma esquina do tempo, é uma reafirmação de um espírito do lugar: agrega edificações do século XIX com intervenções urbanas contemporâneas, mas mantendo a característica de ser ponto de grande circulação de pessoas e de manifestações sociais e políticas. É desse lugar que o painel grita “sempre estivemos aqui”, um sopro contra a invisibilidade da população negra na história da cidade. A concepção desta obra, no entanto, se inicia em 2009, com a produção dos primeiros desenhos e ensaios por parte de Pelópidas Thebano (1934-2022), ainda no Castelinho Cultural do Alto da Bronze, onde se reuniam artistas e griôs responsáveis pelos projetos de criação do Museu de Percurso. Lá estavam, entre outros, Nilo Feijó (1934-2016), Nego Lua, Elaine do Mocambo, o pesquisador Iosvaldyr Bittencourt e o jovem artista Leandro Machado. O Painel é uma síntese dos valores civilizatórios da comunidade negra praticados ao longo da vida do mestre artista pela vivência nos espaços de sociabilidade negra. Para a execução da obra, diz o arquiteto e escultor Vinícius Vieira, milhares de fragmentos cerâmicos irregulares nas cores verde, amarelo, vermelho, preto, laranja e cinza foram cortados e castilhados à mão, um a um. Com isso, montados e, gradativamente, formando e construindo todas as representações originalmente concebidas por Thebano. Estas representações e as tramas com a história do negro em Porto Alegre foram trabalhadas e recriadas por adolescentes residentes no Quilombo do Areal, sob orientação do Grupo de Trabalho Angola Janga e do professor Arilson dos Santos Gomes. Referências: VARGAS, Pedro R. O Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre ou, para muitos, a surpreendente história de um museu que não parece museu dedicado a um gaúcho que não é percebido como gaúcho. In: RAMOS, Jeanice D; VARGAS, Pedro R; SOUZA, Vinicius V. Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre: etapa IV. Porto Alegre, Editora Porto Alegre: 2015 SOUZA, Vinicius Vieira. Artes Visuais de Referência Afro-brasileira no espaço público de Porto Alegre. In: RAMOS, Jeanice D; VARGAS, Pedro R; SOUZA, Vinicius V. Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre: etapa IV. Porto Alegre, Editora Porto Alegre: 2015 SANTOS, Arilson Gomes; ESPÍNDOLA, Maria Elaine; XAPLIN, Adriana; ROSA, Elza Vieira. Depoimentos dos professores do Curso de Formação de Jovens Monitores de Percurso. In: RAMOS, Jeanice D; VARGAS, Pedro R; SOUZA, Vinicius V. Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre: etapa IV. Porto Alegre, Editora Porto Alegre: 2015

  • Oliveira Silveira

    Oliveira Ferreira da Silveira nasceu em Rosário do Sul (RS), no distrito de Touro-Passo, na Serra do Caverá, em 16 de agosto de 1941. O mundo da poesia apresentou-se a Oliveira Silveira ainda na infância, por meio de causos, poemas e versos entoados nas rodas de chimarrão nos galpões da campanha gaúcha, herdado da mãe e dos tios dedicados à música. Já em torno dos anos 50, seu talento foi revelado na forma de poesia regional, disseminada pelo jovem poeta no jornal e na emissora de rádio de sua cidade natal. Aos 18 anos, juntamente com um grupo de amigos, deixava os pais, os cinco irmãos e as lembranças da comunidade negra do Rincão dos Ferreira, em Rosário do Sul, para tentar a vida em Porto Alegre. Ingressou e foi estudante do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, para cursar o ginásio, entre 1959 e 1961, quando fez o Clássico e tendo sido eleito Secretário de Imprensa e Divulgação do Grêmio Estudantil. No Jornal “Julinho” publicou alguns de seus poemas. Diplomado em Letras – português e francês (Ufrgs), onde iniciou seus estudos literários, em 1962, entrou em contato com a obra de Aimé Césaire (1913-2008), Léopold Senghor (1906-2001), René Depestre (1926-), Langston Hughes (1901 – 1967), León-Gontran Lamas (1912-1978) e outros pensadores negros. Numa ocasião, Oliveira Silveira afirmou o seguinte: “Vivi a literatura, eu lia e escrevia. Eu procurei a Lara Lemos [escritora e professora gaúcha], foi professora no Julinho [Colégio Estadual Júlio de Castilhos], mas não a conhecia. Ela convidou-me para ir a sua residência e me deu o livro “Reflexões Sobre o Racismo”, de Jean-Paul Sartre, no qual tinha a parte do Orfeu Negro, onde ele fez análise da poesia malgaxe, um comentário sobre a poesia de Leopoldo Senghor [1906-2001]”. De acordo com o poeta Oliveira Silveira, surgiu ali “a oportunidade de intercâmbio com muitos poetas”. Durante esse período, quando era estudante universitário, Oliveira aliou à militância contra a ditadura militar sua consciência racial, vindo a produzir seus primeiros poemas e começar sua atuação política pela causa negra, enormemente motivada pela poesia. Para o poeta, contudo, “a militância mesmo veio depois de graduado no final da década de 1960”. Existiam em Porto Alegre de fins do século XIX várias instituições ligadas ao associativismo negro: a Sociedade Floresta Aurora (1872), o jornal O Exemplo (1892), a Associação Satélite Prontidão (1904) e outras entidades como o Clube Náutico Marcílio Dias, a Sociedade Nós Os Democratas, a Fica Ahi Pra I Dizendo e a Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio, em Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria. Contudo, a juventude negra da geração de Oliveira Silveira estava distante dos antigos intelectuais fundadores e, ao mesmo tempo, entrava em contato com as estéticas artísticas, poéticas e da linguagem teatral que traziam referências da negritude francófona e que reagiam aos impactos dos debates e lutas de independência no continente africano. Oliveira Silveira, por esta época, também lecionou Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio, na Escola Cândido de Godoy, em Porto Alegre. Aposentado do magistério, continuou participando de publicações coletivas, artigos jornalísticos, palestras e encontros com autores e estudantes. O escritor estabeleceu-se em Porto Alegre, em 1959, vindo a morar na Pensão Pelotense, na Rua Lima e Silva, depois, numa residência da JUC (Juventude Universitária Católica), e depois numa pensão, muito próxima do clube negro Floresta Aurora. O escritor Silveira manteve sempre contato com o universo artístico-cultural da literatura afro-brasileira, sobretudo com o grupo Quilombhoje, de São Paulo, tendo participado de diversas edições do Cadernos Negros e de outras antologias organizadas por membros deste grupo, entre os quais estão Miriam Alves, Éle Semog, Paulo Colina, Geni Guimarães, José Carlos Rivera, Esmeralda Ribeiro, Oswaldo de Camargo, Jônatas Conceição, Cuti e outro(a)s. Acompanhou com interesse o desenrolar da poesia afro-brasileira, tendo escrito sobre a obra do poeta de Juiz de Fora, Edimilson de Almeida Pereira, o que gerou o artigo intitulado “De repente um poeta madura nas Gerais”. Escreveu também sobre Luiz Gama e Oswaldo de Camargo, entre outros. Trabalhou na tradução parcial ou em progressão de Cahier d’um retour au pays natal, de Aimé Césaire, embora nunca tenha chegado a publicá-la. De acordo com Oliveira Silveira, durante o período acadêmico, “...estava ligado na política estudantil. O poeta Oliveira Silveira fundou e integrou o Grupo Palmares, no final da década de 1960 e início da década de 1971, quando assinalou pela primeira vez a data, realizando ato em homenagem ao Estado Negro dos Palmares, assim propondo uma alternativa para as infundadas comemorações do dia 13 de maio, data alusiva à Abolição da Escravidão. Anteriormente, as propostas começaram, inicialmente, dos encontros informais na Rua dos Andradas (Rua da Praia), esquina com a Rua Mal. Floriano, no centro de Porto Alegre, congregando estudantes negros universitários de várias áreas. Nos debates, surgiu uma série de questionamentos sobre o “treze-de-maio”, considerada a farsa da abolição. Em seguida, foram criadas então uma série de estudos sobre a história de Palmares, e o próprio grupo ali formado adotaria esse nome. Os textos e escritos de Zumbi, fascículo da Editora Abril na série Grandes Personagens da Nossa História, além de pesquisas de Edison Carneiro (1912-1972) e de Ernesto Ennes (1881-1957), passaram a circular entre os participantes. A primeira reunião de fundação do Grupo Palmares ocorreu na rua Tomás Flores, 303, no bairro Bom Fim, quando, na data de 20 de julho de 1971, foi proposta a criação do grupo e a celebração da morte de Zumbi: 20 de novembro. Oliveira teve o cuidado de registrar os nomes de outros participantes: José Maria Viana Rodrigues (1918-1970), Maria Araci Rodrigues, Jovelina Godói Santana, Julieta Maria Rodrigues e sua filha Naiara Rodrigues Silveira. Depois, se juntariam ao grupo Antônio Carlos Côrtes e Ilmo da Silva. Entretanto, para o poeta, um dos maiores contestadores do 13 de maio era um “preto alto chamado Jorge Santos ou dos Santos, ator nato, não burilado. Mas ele não foi a reunião inicial e nem integrou-se ao grupo”. Os iniciadores, de fato, do Grupo Palmares, em 20 de julho de 1971, foram Antônio Carlos Côrtes, Ilmo Silva, Oliveira Silveira e Vilmar Nunes. Depois foram chegando as negras universitárias Anita Leocádia Prestes Abad, Helena Vitória dos Santos, Marisa Souza da Silva e Nara Helena Medeiros Soares (falecida). Ainda naquele ano de 1971, contrariando outras propostas que pretendiam destacar os nomes de Luiz Gama (1830-1882), José do Patrocínio (1853-1905) – sempre lembrados nas atividades da Sociedade Floresta Aurora -, o Clube Náutico Marcílio Dias foi escolhido como o local em que o grupo homenagearia Zumbi dos Palmares (1655-1695). A sugestão de “evocar Vinte de Novembro” foi uma proposta de Oliveira Silveira, que lembrou das analogias feitas com Tiradentes (1746-1792), o qual depois de participar da Inconfidência Mineira de 1789, acabou enforcado em 1792, transformado então em símbolo republicano a partir de 1870 e consagrado como herói nacional no fim do século XIX e início do século XX. As mulheres integrantes do Grupo Palmares, também participaram do primeiro ato evocativo do 20 de Novembro, no clube negro Clube Náutico Marcílio Dias. Na primeira comemoração pública do Vinte de Novembro, quem compareceu e “assistiu anonimamente” ao ato foi o historiador Décio Freitas (1922-2004) – cujo livro Palmares: La guerrilla negra, publicado em Montevidéu em agosto de 1971, acabara de sair, mas era ainda pouco conhecido no Brasil. Em sua memória, Silveira destaca que Décio Freitas ofertou-lhe o livro discretamente, ao final do ato. A ideia, portanto, não havia sido do historiador. Em 1977, Oliveira Silveira também estava entre os militantes do Movimento Negro que propunham a data de 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, que alcançou posteriormente repercussão nacional, vindo o MNUCDR (Movimento Negro contra a Discriminação Racial) a ratificar a referida data em 1978. Nessa altura, também havia o enfrentamento à Ditadura Militar e, por esta razão, foram inviabilizadas manifestações de toda ordem, inclusive as de cunho racial. Oliveira Silveira integrou-se perfeitamente à corrente formada pelos poetas afrodescendentes engajados na valorização do negro e de sua cultura, distinguindo-se dos demais, porém, pela busca simultânea de uma identidade negra e gaúcha. Em sua poesia inscrevem-se o manancial do falar gauchesco e quadro referencial do pampa, aos quais vêm associar-se elementos da presença negra – ocultados pela historiografia oficial no Sul do país. Desta forma, seus poemas afro-gaúchos apresentam aspectos poucos conhecidos da história no Rio Grande do Sul, como a existência de todas as formas de numerosos quilombos, além de sua participação efetiva em diversas revoluções. O resgate de lendas do Sul do país, como a do Negrinho do Pastoreio e a do Negro Bonifácio, e sua reelaboração poética a partir de uma ótica negra, colocam Oliveira Silveira entre as figuras de primeira grandeza no panorama da poesia afro-brasileira. Nos anos subsequentes houve mudanças na composição do Grupo Palmares, com a entrada, entre outros, de Helena Vitória dos Santos Machado (1943-) e depois Marisa Souza da Silva. Segundo Oliveira Silveira, elas “foram integrantes cuja participação contribuiu decisivamente para o ajuste do trabalho ao contexto das lutas sociais”. E o Grupo Palmares continuaria promovendo, entre 1972 e 1977, debates, encontros, reuniões, exposições e comemorações em torno do Vinte de Novembro. Uma Mini-História do Negro Brasileiro foi lançada por eles em 1976. As atividades do Grupo Palmares foram paralisadas em 1978 devido a “divergências internas”, só retornando em 1980, já com a criação do “grupo de trabalho – GT Palmares do MNU”, uma articulação política com o MNUCDR (Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial), criado em junho de 1978, em São Paulo. Mas, antes disso, o 20 de Novembro começaria a ser invocado por intelectuais e entidades em várias partes do Brasil, como o Grupo Teatro Evolução de Campinas (SP) e o Centro de Cultura Negra (Cecan). Em Salvador, no mês de novembro de 1978, foi a expressão “Dia Nacional da Consciência Negra”, uma sugestão do militante e intelectual negro carioca Paulo Roberto dos Santos. Como escritor, Oliveira publicou, até 2005, dez títulos individuais de poesia –Pelo Escuro, Roteiro dos Tantãs, Poema Sobre Palmares, entre outros, além de participar de inúmeras antologias, coletâneas, jornais e revistas no país e no exterior, entre estes Cadernos Negros, do grupo Quilombhoje; Razão da Chama, organizado por Oswaldo de Camargo, São Paulo; Quilombo de Palavras, organizado por Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa, em Salvador, BA; Antologia Contemporânea da Poesia Negra Brasileira, organizado por Paulo Colina, São Paulo, SP; Schwarze poesia/Poesia Negra e Schwarze proza/Prosa negra, organizada por Moema Parente Augel, editada na Alemanha por Étidion diá, em 1988 e 1993, com tradução de Johannes Augel; Revista Callaloo, vol. 18, número 04, 1995; e volume 20, nº 01 (estudo de Steven F. White), 1997, Virgínia, Estados Unidos. Na imprensa, publicou artigos, reportagens, contos e crônicas, entre os quais “Criação Crioula, Nu Elefante Branco”, publicação da Comissão Nacional do I Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros, Setembro de 1985, São Paulo, SP, editado em 1987, com o artigo, “A produção literária negra (1975-1985)”. O escritor Oliveira Silveira participou com artigos e ensaios em obras coletivas, a exemplo do ensaio “Vinte de Novembro: história e conteúdo”, no livro Educação e Ações Afirmativas, organizado pela Profa. Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Válter Roberto Silvério, Ministério da Educação/Inep, Brasília, DF, em 2002. Entre algumas distinções recebidas registramos as seguintes: Menção Honrosa da União Brasileira de Escritores, RJ, pelos originais do livro “Banzo, Saudade Negra”, em 1969; Medalha da cidade de Porto Alegre, concedida pelo executivo municipal, em 1988; Medalha Mérito Cruz e Souza, da Comissão Estadual para a Celebração do Centenário da Morte e Cruz e Souza, Florianópolis, SC, em 1998; Troféu Zumbi, obra do artista plástico negro Américo Souza, concedido pelo clube social negro Associação Satélite Prontidão, em 1999; Comenda Resistência Escrava Anastácia, evento cultural “Rua do Perdão”, Porto Alegre, RS; “Tesouro Vivo Afro-Brasileiro”, homenagem do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, Copene, entre 25 a 29 de agosto de 2002, Universidade de São Carlos, São Carlos, SP. O escritor e poeta Oliveira atuou em diversos grupos culturais, a contar de meados da década de 70, do século XX, tais como: Razão Negra, Revista Tição, Semba Arte Negra, Boletim Eletrônico Negraldeia, Comissão Gaúcha de Folclore, Conselheiro no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, órgão consultivo, entre 2002-2007, no primeiro mandato da ministra Matilde Ribeiro. Efetuou diversos exercícios em textos teatrais e paradidáticos (cenas, montagens simples) e música popularesca e teve seus poemas musicados por Haroldo Mais, Wado Barcelos, Airton Pimentel, Luiz Wagner, Marco de Farias, Paulo Romeu, Flávio Oliveira, Vera Lopes, Nina Fola e Lessandro. Na Suécia, pela compositora Tebogo Monnakgotla. A recuperação real da importância do negro na formação da história sulina ganhou maior interesse por corresponder à tentativa de recompor um equilíbrio perdido, pois se a história do negro no Norte e no Nordeste do país é cheia de lacunas, ela o é ainda mais no que diz respeito à realidade gaúcha, onde se pretendeu criar o mito da inexistência de formas de resistência negra. Os versos que procuram iluminar os desvãos da história e urdir a epicidade do negro no extremo Sul do Brasil emergem com redobrado vigor porque a voz do poeta soma-se à do povo que pretende reavaliar. Esta fase afro-gaúcha de sua obra é desenvolvida principalmente nas seguintes publicações: Décima do negro peão (1974); Poemas regionais (1968) e Pêlo Escuro (1968-1977). O viés épico, presente na obra de Oliveira Silveira, emerge para louvar a ação transgressora de Zumbi dos Palmares. A exemplo de Solano Trindade, que também compôs um poema para resgatar a epopeia palmarina, Oliveira busca contornos épicos em poema sobre Palmares (1972-1987), louvando ao mesmo tempo o território-símbolo da liberdade como seu líder maior. Os repetidos ataques ao maior de todos os quilombos são referidos, enaltecendo-se a bravura dos quilombolas que resistiram durante anos. É como se o poeta quisesse mostrar a seus contemporâneos o exemplo a ser seguido nos dias de hoje, quando os ataques representados nas atitudes racistas dos brancos ainda são constantes. Uma leitura possível do poema: o sangue de Zumbi não foi derramado em vão: foi o húmus onde germinou a semente de inúmeras rebeliões escravas que brotaram mais tarde, como a Guerra dos Malês, Cabanagem, Balaiada, além dos quilombos espalhados por todo o Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul. “Palmares não é um só, são milhares”, ensina o poeta. A concepção identitária de Oliveira Silveira tende ao enraizamento, a construção de um tipo de identidade voltada sobre a própria comunidade negra, nem sempre predispondo-se à salutar abertura ao outro, à diversidade e à relação. Sua concepção de literatura negra, muitas vezes referida oralmente em congressos e seminários, não mudou ao longo dos anos, permanecendo à pertença à etnia negra. Para Oliveira Silveira, a literatura negra é aquela feita por negros, o que constitui – a nosso ver – um critério epidérmico/racial que está na contramão de vertentes profícuas de poesia negra como a caribenha, por exemplo, para as quais os essencialismos da Negritude, fundada tão somente na preservação dos ‘valores negros’ e restringindo o alcance universal da poesia, são coisa do passado. No entanto, sua contribuição à assim chamada poesia negra brasileira, ou afro-brasileira, ou ainda afrodescendente, como vem sendo chamada atualmente, é de grande vigor e originalidade ao vincular a comunidade negra à ‘gauchidade”, obrigando de certa forma as manifestações identitárias a adquirirem um viés heterogêneo. Para o poeta e crítico literário Ronald Augusto, Oliveira Silveira “... além de estar atento às questões históricas e sociais dos afro-brasileiros, também respondeu crítica e criativamente ao seu tempo-espaço porque não descurou quer das relações relativas à tradição poética (diacronia), quer das relativas à função poética (sincronia)”. Seus livros foram editados na capital gaúcha e em tiragem limitada. São, portanto, dificilmente encontráveis, estando a merecer uma edição atualizada reagrupando o conjunto da produção poética do autor. Esforço nesse sentido foi levado a cabo com a publicação, em fins de 2009, de antologia poemas, com seleção e prefácio de Oswaldo de Camargo. Em sua homenagem e reconhecimento da sua obra literária e intelectual, a Biblioteca da Fundação Cultural Palmares recebeu o nome de “Oliveira Silveira”; a Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, a “Sala Oliveira Silveira” ampliou seu espaço, o qual passou a ser designado de “Espaço Oliveira Silveira”, onde se mantém uma exposição permanente. No município de Osório, Litoral Norte do RS, foi inaugurada a Biblioteca Municipal Oliveira Silveira, no dia 13 de novembro de 2015, onde está parte do acervo contendo obras do poeta, autores negros (literatura afro-brasileira), literatura brasileira e sobre o movimento social negro, autores africanos e negros norte-americanos. O poeta e escritor Oliveira Silveira faleceu em Porto Alegre, no dia 1º de janeiro de 2009, já consagrado em termos literários e considerado “O Poeta da Consciência Negra”. BIBLIOGRAFIA DE OLIVEIRA SILVEIRA: Germinou: poemas, Edição do Autor, Porto Alegre, 1962. Poemas Regionais, Edição do Autor, Porto Alegre, 1968. Banzo, Saudade negra: poemas, Edição do Autor, Porto Alegre, 1970. Décima do Negro Peão, Edição do Autor, Porto Alegre, 1974. Praça da Palavra, poemas, Porto Alegre, 1976. Pêlo Escuro: poemas afro-gaúchos, Edição do Autor, Porto Alegre, 1977. Roteiro dos tantãs: Porto Alegre, Edição do Autor, 1981. Poema sobre Palmares, Edição do Autor, Porto Alegre, 1987. Anotações à margem. Porto Alegre, SMC, Coordenação do Livro e Literatura, Unidade Editorial Porto Alegre, 1994. (série Petit POA). Orixás: pintura e poesia. Porto Alegre: SMC, Coordenação do Livro e Literatura, Unidade Editorial, Porto Alegre [1995]. Ilustrações a partir de pinturas do artista plástico negro Pedro Homero. Bandoné do Caverá. Porto Alegre. Edição do Autor, 2008. Poemas: Antologia, Porto Alegre, Edição dos Vinte, 2009. Antologia Poética de Oliveira Silveira, obra completa de poesia. Rosário do Sul. VCS,2010. Oliveira Silveira – Obra Reunida, AUGUSTO, Ronald (Org. ) Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, RS, 2012. PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS E COLETÂNEAS Cadernos Negros 3 – poesia, São Paulo, Ed. Do Autor, 1980. Axé – Antologia contemporânea da poesia negra brasileira (org.) Paulo Colina, São Paulo, Global Editora, 1982. Cadernos Literários 19 – Poetas Negros do Brasil, Porto Alegre, Instituto Cultural Português, Edições Caravelas, 1983. A Razão da Chama – Antologias de Poetas Negros Brasileiros (coordenação e seleção de Oswaldo de Camargo, São Paulo, GRD, 1986. O Negro Escrito – Apontamento sobre a presença do Negro na Literatura – Antologia Temática – São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura/Assessoria de Cultura Afro-Brasileira, 1987. Cadernos Negros 11 – Poemas, São Paulo, ED. dos Autores, 1986. Schwarze Poesia/Poesia Negra (Org. Moema Parente Augel), tradução de Johannes Augel, St. Gallen/Köln, Edition Diá, 1988. Poesia Negra Brasileira: Antologia (org. Zilá Bernd), Porto Alegre, AGE/IEL/IGEL, 1992 FICÇÃO – CONTO Zumbi in der Favela (Zumbi no Morro), in Schwarze Prosa/Prosa Negra (Org. Moema Parente Augel); tradução Johannes Augel), St. Gallen/Berlin/, São Paulo, 1993. OUTROS Rosário Centenário – História, Atualidades e Perspectivas (Coordenação de Oliveira Silveira), Rosário do Sul, Prefeitura Municipal, 1976. Mini-História do Negro Brasileiro – Uma Síntese (co-autoria: Anita Leocádia Prestes Abad et al.), Porto Alegre, SMEC, 1986. A Produção Literária Negra (1975 – 1985) – Ensaio, In: Criação Crioula nu Elefante Branco (Organização da Comissão Nacional do 1º Encontro de Poetas Ficcionistas Negros Brasileiros), São Paulo, Governo do Estado, 1987. Nós, Os Negros (ensaio) In: Nós, Os Gaúchos (Coordenação de Sergius Gonzaga e Luís Augusto Fischer), Porto Alegre, Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 1992, (2ª ed. , 1993). Nós, os Afro-Gaúchos (participação com poemas (Coordenação de Euzébio Assumpção e Mário Maestri) Porto Alegre, Ed. da Universidade/UFRGS, 1986. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUGUSTO, Ronald (Org. ) Oliveira Silveira – Obra Reunida, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, RS, 2012. BERND, Zilá. Oliveira Silveira. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.) Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, Volume 2, Consolidação, Editora Ufmg, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2011. BOEIRA, Eloísa Elena Prates. Pêlo Escuro: a poesia afro-brasileira de Oliveira Silveira. PPG em Estudos da Linguagem, Mestrado em Literatura Comparada, CCHLA, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2013. CADERNOS DA EXPOSIÇÃO DO MARS (Museu Antropológico do Rio Grande do Sul), “Palmares não é só um, são milhares: 50 anos do 20 de novembro” (Org. Mônica Wiggers, Juliana koenig e Alice Silveira, MARS, IEL, Porto Alegre, 2022. FiLiGram, Feira do Livro de Gramado, Gramado, RS, 2022. GOMES, Flávio dos Santos; LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia Negra, Companhia das Letras, SP, 2021. Revista Eparrei. Casa de Cultura da Mulher Negra, 1º semestre, nº 6, Ano III, 1º Semestre, Santos, SP, 2004. SILVA, Jônatas Conceição da Silva. Vozes Quilombolas – uma poética brasileira, Edufba, Ylê Aiyê, Salvador, 2004.

  • Nego Lua

    Nego Lua é uma referência para o ativismo militante negro contemporâneo. Batizado com o nome de José Alves Bittencourt, nasceu em Bagé, em 29 de julho de 1942, mas foi em Porto Alegre, onde passou a ser conhecido como Lua, que se construiu como um ativista na luta pela igualdade racial e por uma sociedade mais justa de direitos e cidadania. Foi a vivência nos espaços de sociabilidade negra e a formação política que forjaram essa militância. Embora tivesse pouca escolaridade formal, era reconhecido e respeitado pela leitura e interpretação na prática cotidiana de clássicos da literatura política. Nos anos 1970, foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU). Na década seguinte, ajudou a fundar e organizar, no Estado, o Partido dos Trabalhadores (PT), onde coordenou o núcleo negro do partido no Rio Grande do Sul. Incansável, no final dos anos 1990 e começo do novo século, passou a coordenar a Assessoria de Políticas Públicas para o Povo Negro na Frente Popular da Prefeitura de Porto Alegre (governos petistas de 1989 a 2002). No entanto, suas marcas mais conhecidas são o fato de ter idealizado e criado o Grupo de Trabalho Angola Janga, em 11 de novembro de 2002, que é como os portugueses chamavam o Quilombo dos Palmares, expressão que significa “Angola Pequena”, e onde a ideia de quilombo pode ser entendida como uma sociedade mais igualitária. Outro foco de luta do militante foi pela construção do Centro de Referência Afro-brasileiro (CRAB). Idealizado para ser um espaço agregador e propositivo para o ativismo negro em torno das lutas por igualdade racial, ele não foi realizado, mas continua na pauta de boa parte das associações do movimento – em grande parte, seguramente, pela tenacidade com que Nego Lua defendia essa ideia. O trabalho deste idealista, entretanto, está visível quando se percorre a cidade no Museu de Percurso do Negro, obra de que foi, também, um dos idealizadores, tendo lutado arduamente para que fosse realizada, o que fez presidindo o Conselho Gestor do Museu até 10 de novembro de 2009, ano em que faleceu sem ver erguido O Tambor, primeiro e significativo marco do Museu. Nego Lua passou a maior parte da sua juventude morando na Rua Cabo Rocha (hoje Prof. Freitas de Castro), um dos locais da cidade marcados pela sociabilidade negra. Sua atividade laboral como carregador e estivador no porto da capital é sinônimo de um dos tipos de trabalho realizado majoritariamente por negros. Fato pouco conhecido, mas importante para se entender o percurso militante do Nego Lua, foi ele ter sido um dos fundadores e proprietário, por breve período, do bar Luanda, na Rua José do Patrocínio, 988. Lua só conseguiu comprá-lo, segundo Daniela Espíndola, por meio de indenização após sofrer acidente durante seu trabalho no porto. Foi fundamental ainda para a sua formação militante, o diálogo que veio a estabelecer nos anos 1970 com Helena Vitória Machado e Oliveira Silveira. Referências: ESPÍNDOLA, Daniela Rodrigues. Nego Lua: o legado de um importante e influente militante negro de Porto Alegre. Concurso Décio Freitas/ Funproarte-SMC. Porto Alegre. 2015. VILASBOAS, Ilma Silva; BITTENCOURT JÚNIOR, Iosvaldyr C; SOUZA, Vinicius Vieira. Museu de Percurso do Negro em `Porto Alegre. Editora Porto Alegre, 2010

  • Nega Lu

    Batizado Luiz Airton Farias Bastos em 19 de dezembro de 1950, no bairro Menino Deus, Nega Lu, como tornou-se popularmente conhecido, pertencia a um dos núcleos de famílias negras deste bairro. O pequeno comércio do avô paterno e da prestação de serviços foi a base de sustentação da família Bastos. Este pequeno negócio foi impulsionador do acesso ao magistério por uma de suas tias. Apesar de católicos praticantes, sua bisavó paterna era uma conhecida ialorixá (do batuque) na região, prática religiosa que envolvia parte da família paterna. Órfão de mãe ainda muito criança, foi criado por esta avó ialorixá na casa onde morou toda a sua vida. A música, muito presente e marcante, foi um legado de seu bisavô pianista. Sua trajetória estava ligada a sua atuação no circuito cultural da cidade de Porto Alegre nas décadas de 1970 a 1990. Estudou na Escola Infante Dom Henrique, onde já ensaiava seus primeiros solos inspirados nas cantoras americanas Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Janis Joplin, com uma potente voz, destacando-se nas gincanas estudantis. Foi solista dos corais da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi bailarino clássico, coreógrafo de peças e desfiles de moda, lecionou dança, jazz e postura na Escola de Modelos La Porta. Atuava no carnaval de rua do Menino Deus, onde marcou como um dos destaques mais conhecidos da famosa Banda da Saldanha. Nega Lu faleceu em 17 de setembro de 2005, antes de presenciar os direitos conquistados pela comunidade gay da qual fazia parte ativamente na cidade. Na cidade baixa, há poucos anos, surgiu uma mural em grafite na rua Lima e Silva em sua homenagem.

  • Magliani

    Maria Lídia Magliani (Pelotas, 1946 – Rio de Janeiro, 2012) nasceu em uma família de artistas e decidiu ser pintora. Na verdade, se tornou uma multiartista: foi atriz, desenhou figurinos, fez arte gráfica, objetos tridimensionais e realizou cenografias. Criança, foi morar em Porto Alegre, na periferia, no bairro Sarandi. Sua história no mundo artístico se inicia em 1963, quando passa a estudar artes no então Instituto de Belas Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo a primeira mulher negra a receber diploma de artista daquela universidade em 1966. O trabalho de Magliani logo se torna referência no Estado. A artista passa a viver em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, tendo participado ao longo da carreira de mais de 100 exposições individuais e coletivas. Contando com obras nos acervos dos principais museus públicos e privados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, é nome de rua no bairro Campo Novo, na capital gaúcha. Embora nunca tenha se declarado militante, sua obra é considerada de grande força poética e atravessada por temáticas feministas, raciais e políticas. Suas pinturas enfatizam de uma forma dilacerada e trágica a figura humana e o corpo da mulher dentro de uma sociedade misógina. O professor Paulo Gomes, do Instituto de Artes da UFRGS, diz que apesar das dificuldades de ser artista, mulher e negra à época (anos 1960), Magliani conseguiu um reconhecimento rápido dentro de um sistema que por princípio é bastante fechado e machista. Criou boa parte das suas obras no período da ditadura civil-militar. Apesar de ter passado por sérias dificuldades financeiras no fim da vida, é indiscutível a importância de sua obra, na atualidade, para estudantes, artistas, pesquisadores e curadores negros, ressalta o professor Paulo Gomes (2022): O trabalho dela tem grande relevância porque ela transformou-se realmente em um exemplo. Um exemplo de mulher negra, artista bem-sucedida, que era de uma classe social baixa, que faz uma universidade pública e consegue estudar, se formar e projetar uma carreira nacional de grande relevância. A artista pioneira que quebrou uma série de barreiras ao longo da vida, produzindo com reconhecimento numa sociedade machista, autoritária e racista, sem nunca se render aos modismos da arte, construiu uma biografia que é referência para jovens negros e negras que procuram lançar questões pungentes sobre a sociedade atuando no campo das artes. Referências: GOMES, Paulo. Poética visual marcante de Maria Lídia Magliani inspira novas gerações. [Entrevista cedida a] Victoria Rodrigues. Jornal da Universidade, Porto Alegre, 30 jun. [2022]. Disponível em: ufrgs.br/jornal/poética-visual-marcante-de-maria-lidia-magliani-inspira-novas-geracoes. Acesso em: 03/12/2021 ROSA, Renato. Magliani: A solidão do corpo. Pinacoteca Aldo Locatelli. Prefeitura de Porto Alegre, 2013. OLIVEIRA, Luanda Dalmazo. Maria Lídia Magliani: uma trajetória possível. Trabalho de Conclusão de Curso. Instituto de Artes, Curso de História da Arte, Porto Alegre, 2018

  • Mãe Norinha de Oxalá Obiofã

    Nascida Leonor dos Santos Almeida em 1939(?), terceira geração de uma linhagem de religiosos representantes da nação Oió, adotou o nome de Norinha por influência de sua avó carnal, Mãe Nora de Iansã. Sua mãe natural, Zeferina de Oxum, foi uma das fundadoras da Federação das Religiões Afro-brasileiras - Afrobrás. A família habitava a região do Areal da Baronesa (Cidade Baixa, Menino Deus e Praia de Belas), um dos locais que teve o maior número de terreiros de religião de matriz afro-brasileira, sobretudo, como referia Mãe Norinha – em entrevista à pesquisadora Cíntia A. de Ávila: posso citar alguns, não todos, porque eram muitos morando todos na mesma rua. Era Mãe Mércia de Iemanjá, Mãe Joaquina de Iansã, que era minha mãe de santo, vó Nora de Iansã, minha avó carnal, Mãe Zeferina de Oxum, minha mãe carnal. Eu me criei dentro de duas casas religiosas. A Mãe Joaquina morava na frente da casa de minha mãe. Reconhecida por sua atuação religiosa e pelos conhecimentos profundos sobre os fundamentos litúrgicos da nação Oió, essenciais para o desenvolvimento espiritual de tantos filhos e filhas de santo que frequentaram sua casa, Mãe Norinha rompeu as barreiras seguras de atuação prestigiosa que a sua biografia assegurava no campo religioso para dar passos significativos em direção à atuação política em defesa das religiões afro-brasileiras. Em 2002, fundou a Congregação em Defesa das Religiões Afro-brasileiras (CEDRAB) durante os preparativos da 11ª Semana da Consciência Negra. Com este ato, trouxe para o interior do movimento negro a discussão da religião como constituinte do patrimônio cultural negro, pauta que até então era negligenciada pelas associações do movimento. Mãe Norinha não compreendia a existência do movimento negro sem a presença da religião de matriz africana. “A religião é essencial para o negro. Claro que existem negros evangélicos, católicos, mas a principal religião no início foi a nossa”. A religiosa passou a frequentar reuniões do movimento e a trabalhar para a materialização de um grande sonho: o Projeto Bará do Mercado, que daria frutos como o registro da tradição Bará no Mercado como patrimônio imaterial de Porto Alegre (Lei n. 9.570/2004), referendado pela Câmara Municipal em 2020. Com isso, em 2013, pela influência do trabalho incansável da yalorixá a execução de uma obra de arte é assinada pelos artistas negros Pelópidas Thebano e Leandro Machado: uma escultura/mosaico consagrada a este orixá, localizada no centro ou encruzilhada do Mercado Público, como parte do roteiro do Museu de Percurso do Negro. A primeira reunião da religiosa com representantes do movimento negro para esse fim, no entanto, foi no início do século XXI, na Associação Satélite Prontidão. No ano de 2004, o CEDRAB é institucionalizado. Torna-se a voz mais eloquente em um novo campo de atuação que Cíntia Ávila (2009) entende como sendo a interface entre a religião e a política na luta contra a intolerância religiosa sofrida pelas religiões afro-brasileiras por parte da sociedade gaúcha, sobretudo, por parte das igrejas pentecostais. São, naquele período, membros da direção do CEDRAB, além de Mãe Norinha, Baba Diba de Iemanjá, Mãe Teresa de Iansã, Mãe Maria de Oxum, Mãe Angélica de Oxum, Mãe Valdete do Bará e logo após, Pai Nilson de Oxum. A luta de Mãe Norinha contra a discriminação sofrida pelas religiões de matriz afro-brasileiras e, em especial, a campanha empreendida contra a proibição ao abate ritual de animais, conquistou o apoio de intelectuais, políticos e do movimento negro. Levou a religiosa a ser ouvida na Câmara dos Deputados em Brasília e ser acolhida nos terreiros baianos. Sua visão e postura firme ao longo da vida contra a intolerância religiosa influiu decisivamente para a sua participação no projeto que constituiu o espaço inter religioso nas unidades do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) em Porto Alegre, iniciativa que possibilita assistência espiritual aos pacientes e profissionais do GHC conforme suas crenças e contribui para a cultura de respeito à diversidade religiosa. Mãe Norinha faleceu em 05 de maio de 2018. Referências: ÁVILA, Cintia Aguiar. Na interface entre religião e política: origem e práticas da congregação em defesa das religiões afro-brasileiras (CEDRAB/RS). Dissertação de Mestrado em Antropologia, Porto Alegre: UFRGS, 2009 https://www.youtube.com/watch?v=rxoFhd7x34A Disponível em: 05/06/2023 https://www.ufrgs.br/biev/producoes/o-bara-do-mercado-publico/ Disponível em: 08/06/2023

  • Luis Vagner

    Luis Vagner Dutra Lopes – Luis Vagner, o Guitarreiro – , nasceu na cidade de Bagé (A Rainha da Fronteira), no dia 20 de abril de 1948, e veio a falecer no dia 9 de maio de 2021 em Itanhaém, São Paulo. Foi músico e compositor de grande sucesso no país. A carreira de Luis Vagner foi marcada pela sua versatilidade musical, começando com o rock soul, passando pelo samba rock, em que fez parcerias com Bedeu, Bebeto e Jorge Ben Jor, chegando ao reggae. O pai e o avô do Guitarreiro eram músicos. O pai, violonista, resolveu homenagear o compositor alemão Wagner e batizou o filho: Luis Vagner Dutra Lopes. Jovem, começou a “correr mundo”, indo para Dom Pedrito, passando por Santa Maria, onde conheceu Cauby Peixoto e Lupicínio Rodrigues, a quem viria acompanhar como músico nos anos de 1960. Foi para Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, onde morou no Beco da Fossa, famoso reduto de músicos iniciantes como Paulinho da Viola e Caetano Veloso, período em que se tornou músico de estúdio. Depois, morou em Vaux sur Seinne (França), retornando a São Paulo em 1994. Em 2013, voltou a Porto Alegre para residir no bairro do Partenon e, em 2020, mudou-se para o litoral paulista de Itanhaém. Sua carreira começou aos 14 anos, quando já se apresentava nos programas gaúchos de TV com a banda The Jetsons. Logo depois, junto com Anyres Rodrigues, Franco Scornavacca e Edson Aymay, formou Os Brasas, um dos grandes nomes da Jovem Guarda, lançando hits nacionais com o balanço do seu grupo e da sua guitarra. Mas foi no samba rock que Luis Vagner imortalizou o seu nome ao lado de figuras como Bebeto, Jorge Ben Jor, Bedeu e Grupo Pau Brasil. Emplacou grandes sucessos como: “Saudades de Jackson do Pandeiro”, “Coisa Boa”, “Segura a Nega” entre outras. Uma curiosidade ronda o apelido Guitarreiro que acompanharia Luis Vagner. Em uma versão da história, teria sido Jorge Ben Jor o autor, mas o mais provável é que foi o grande amigo e músico de Tim Maia, o cantor Fábio, que o teria batizado. A consideração de Jorge por Luis Vagner era tanta, que compôs em sua homenagem a música Luis Vagner Guitarreiro, que se encontra no álbum Bem Vindo Amizade, de 1981. Entre as curiosidades que cercam o seu nome está o fato de ser considerado um dos precursores do reggae no Brasil ao lado de Gilberto Gil. Tocou com músicos consagrados do cenário nacional e internacional como Herbie Hancock, Wayne Shorter, The Wailers, Lupicínio Rodrigues, Jamelão, Zé Ketti, Nelson Gonçalves, Bibi Ferreira e outros. Ao todo, foram dez álbuns de estúdio, um ao vivo, além de participações em produções de artistas como Os Diagonais, Lady Zu, Jorge Ben Jor, Bedeu, Paulo Diniz, Eliana Pittman, Tom Zé entre outros. As músicas de Luis Vagner revelavam um pouco de sua personalidade. Conforme Daniel Sanes (2021): Algumas letras passam um sentimento de inadequação, de necessidade de afirmação no cenário musical. Ao mesmo tempo, soam como uma declaração de princípios, e demonstram o orgulho de Vagner em relação a suas raízes negras e brasileiras, algo que se tornaria uma constante em seu trabalho. Em Porto Alegre, Luis Vagner viveu no bairro do Partenon, localizado na zona leste da cidade. Foi imortalizado na letra “Lá no Partenon”. Na composição, Guitarrero nos apresenta em forma de versos aspectos que marcam o bairro, como as tendências e estilos musicais que a rapaziada curtia e a paisagem do lugar, assim como, o cotidiano do espaço. Luis Vagner Dutra Lopes produziu o seu último álbum Música Planetária Brasileira, que contou com lançamento póstumo. O Guitarreiro teve uma relação muito profunda com sua parceira de sempre, a música. A importância de Luis Vagner para o cenário da música afro-gaúcha é imensurável, uma vez que influenciou e continua influenciando músicos, como Bedeu e Ultramen. Nos deixando um legado de leveza e amor à vida através de suas composições, Luis Vagner era adepto do budismo Nishiren Daishonin, e sempre proferia uma prece Nam myoho rengue kyo. Referências SANES, Daniel. O disco que consagrou Luis Vagner como protagonista do samba-rock. In: Nonada. [S. l.], 23 set. 2021. Disponível em: https://www.nonada.com.br/2021/09/o-disco-que-consagrou-luis-vagner-como-protagonista-do-samba-rock. Acesso em: 28 abr. 2023. LUIS Vagner. In: WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [San Francisco, CA: Wikimedia Foundation, 2022]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Vagner. Acesso em: 28 abr. 2023. LUIS Vagner. In: DICIONÁRIO Cravo Albin Da Música Popular Brasileira. [S. l.]: Agência OD, 2021. Disponível em: https://dicionariompb.com.br/artista/luis-vagner. Acesso em: 28 abr. 2023. DEFFERRARI, Edu. Em memória do grande Guitarreiro: músicos lembram a obra e ressaltam legado de Luis Vagner. In: GZH. Porto Alegre, 13 maio 2021. https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2021/05/em-memoria-do-grande-guitarreiro-musicos-lembram-a-obra-e-ressaltam-legado-de-luis-vagner-ckon8g0xj006f018mmtfxj6s1.html. Acesso em: 28 abr. 2023.

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